O que é Doutrina Social da Igreja
Reflexão sobre a realidade do homem e da sociedade
Em nosso artigo anterior nós nos propusemos a definir o que
significa a Doutrina Social da Igreja. Partindo do Magistério do Papa
bem-aventurado João Paulo II, concentramo-nos, entretanto, em primeiro deixar
bem claro o que a Doutrina Social da Igreja (DSI) não é, antes de explicar o
que ela é. Chegamos, então, à conclusão de que essa doutrina não é uma
ideologia, não sendo, portanto, uma espécie do gênero que compreende o
liberalismo e o socialismo, por exemplo. Uma ideologia é um sistema de ideias
para guiar a ação social e política que, por mais coerente que possa ser ou
parecer, parte de princípios arbitrários e parciais, alheios à verdade da
natureza humana em sua integralidade.
A Doutrina Social da Igreja difere radicalmente das
ideologias porque pretende ser o resultado de uma reflexão sobre a própria
realidade do homem e da sociedade. Por não ser uma ideologia, ela [Doutrina
Social da Igreja] não se apresenta como uma panaceia, ou seja, como um remédio
universal para todos os males sociais, com soluções prontas e acabadas para
todos os problemas coletivos, tal como se dá com as ideologias já citadas do
liberalismo e do socialismo. Os ideólogos liberais e socialistas, por exemplo,
acham que as mesmas medidas sociais são capazes de solucionar os problemas
tanto dos Estados Unidos como os da Zâmbia, tanto os do Brasil como os da
Noruega, entre outros. Não compreendem que países diferentes, dotados de
características culturais e geográficas diferentes, têm problemas diferentes e
reclamam, por isso mesmo, soluções diferentes.
Na verdade, falta às ideologias modernas a distinção entre
essência e acidentes, fato que não ocorre com a Doutrina Social da Igreja,
tendo em vista que esta bebeu da filosofia de Aristóteles. Considerado o
príncipe eterno dos verdadeiros filósofos, esse grande pensador compreendeu que
todos os seres existentes são uma realização concreta e individual de uma
essência ou natureza abstrata e universal. A natureza ou essência predica-se
identicamente de todos os entes que a possuem – Aristóteles não é mais homem do
que Sócrates, da mesma forma que Duque não é menos cão que Rintintim.
Um ser humano não difere de outro pela natureza, mas pelos
acidentes: altura, sexo, idade, local de nascimento, cor da pele, profissão,
classe social, grau de instrução, entre outros. Todos estes são acidentes do
ser humano, sem que isso implique alteração ou diminuição de sua invariável
natureza. Assim, se por um lado a natureza faz com que determinado ser seja algo
– um homem, um cão, um gato, uma planta, um mineral – os acidentes preenchem de
concretude aquela essência que, em si mesma, é um esquema abstrato de
possibilidades. Assim, cada indivíduo é um universal concreto – a realização
concreta e particular de uma essência universal.
Ora, a Doutrina Social da Igreja trabalha no plano da
essência, no plano do universal e não desce aos detalhes dos acidentes. Desse
modo, essa doutrina, em vez de oferecer um modelo de sociedade em seus mínimos
detalhes, vem propor princípios universais, exigências mínimas e fundamentais,
válidas para qualquer espécie de sociedade, independentemente de cultura ou
momento histórico, sem impor nenhum regime político ou social específico. Com
efeito, ensinou o Concílio Vaticano II: «A Igreja não está ligada, por força da
sua missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura ou sistema
político, econômico ou social» (Constituição pastoral Gaudium et Spes, 42).
Entretanto, pelo fato de a Doutrina Social da Igreja não
impor nenhum regime político específico, não podemos concluir que ela seja
compatível com qualquer forma de organização da sociedade. A Igreja nunca
cessou de denunciar os erros das ideologias modernas, como o liberalismo e o
socialismo. Consta do Catecismo da Igreja Católica (CIC): «A diversidade dos
regimes políticos é moralmente admissível, contanto que concorram para o bem
legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza é contrária à lei
natural, à ordem pública e os direitos fundamentais das pessoas não podem
realizar o bem comum das nações às quais são impostos» (CIC, 1901).
O que se quer deixar claro é que as exigências da Doutrina
Social da Igreja são de caráter moral e não de caráter técnico. Essa doutrina
limita-se a enunciar as exigências universais que não podem ser transgredidas
por nenhuma sociedade, sendo que as decisões de caráter técnico e específico
devem ser tomadas para satisfazer da melhor maneira as exigências de ordem
moral, segundo as circunstâncias concretas de cada povo. É aqui que cabe um
papel importantíssimo aos leigos: a nós compete a aplicação concreta da
Doutrina Social da Igreja, traduzindo os princípios morais que o magistério
enuncia em soluções técnicas e políticas. Efetivamente, assim ensinou o Papa
Paulo VI: «Os leigos devem assumir como tarefa própria a renovação da ordem
temporal. Se o papel da hierarquia consiste em ensinar e interpretar
autenticamente os princípios morais que se hão de seguir nesse domínio,
pertence aos leigos, por suas livres iniciativas, e sem esperar passivamente
ordens e diretrizes, imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as
leis e as estruturas da sua sociedade» (Encíclica Populorum Progressio, n. 81).
Rodrigo R. Pedroso
O autor é advogado graduado pela Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco (FD/USP), mestrando em Filosofia política pela FFLCH/USP
e procurador da Universidade de São Paulo.
Críticas, dúvidas e sugestões podem ser enviadas para o
correio eletrônico rpedroso01@terra.com.br
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