O encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida: prenúncio da libertação dos filhos de Deus.
Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a Padroeira do Brasil, quer a verdadeira libertação do Povo de Deus de todo tipo de escravidão. Compreendemos isso a partir do fato de que o milagre de Aparecida aconteceu em 1717, na época do Brasil colonial, que estava dividido pelo “muro vergonhoso da escravatura”1. Na primeira metade do século XVI, os portugueses traziam africanos de suas colônias na África para trabalhar como escravos nos engenhos de açúcar. Os escravos os africanos eram vendidos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. A partir do século XVIII, estes também trabalhavam nas fazendas de açúcar e nas minas de ouro, nas piores condições possíveis, constantemente sofrendo maus tratos. Trabalhavam muito, com roupas indignas e uma alimentação geralmente muito ruim. Passavam as noites nas senzalas, acorrentados, para que não fugissem. Os escravos eram constantemente castigados, geralmente com açoites, a punição mais comum no Brasil Colônia. Além da escravidão, não havia liberdade política e econômica, o que impedia o crescimento do país. Mostrando-se solidária a todos esses sofrimentos, “Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas depois unida, nas mãos dos pescadores”2.
O encontro desta pequena imagem nas águas do rio Paraíba do Sul foi o prenúncio da libertação dos escravos, do nascimento de um povo livre. Um sinal disso foi o milagre da libertação de um escravo, que rezava a Nossa Senhora e, neste momento, suas cadeias caíram. Seu senhor presenciou o milagre e o libertou. Suas cadeias estão no Museu do Santuário de Aparecida. Outro sinal da intervenção de Maria foi o empenho da Princesa Isabel, que era devota da Virgem Maria, para a libertação dos escravos. A Regente, que já não tinha escravos em sua casa, trabalhou incansavelmente na política para acabar com a escravidão no Brasil. Depois de muitos esforços, em 28 de setembro de 1871, assinou a Lei do Ventre Livre, que dava a liberdade aos filhos de escravos e finalmente, em 13 de Maio de 1888, promulgou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. No mesmo ano, no dia 6 de novembro, a Princesa Isabel visitou pela segunda vez a Basílica de Aparecida e ofertou a Nossa Senhora uma coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis, juntamente com um manto azul, ricamente adornado. Estes objetos também estão no Museu do Santuário. A Princesa fez este gesto para pagar uma promessa feita em sua primeira visita, em 8 de dezembro de 1868, dia da Imaculada Conceição. Sua devoção mariana e o seu empenho pelo fim da escravidão nos ajuda a compreender que Isabel confiou a libertação dos escravos a Nossa Senhora.
Naquele tempo, não eram somente os escravos que precisavam de libertação, mas também o povo brasileiro, que estava há dois séculos sendo explorado pela corte portuguesa. Existia um monopólio comercial imposto por Portugal ao Brasil. Os agricultores e comerciantes precisavam de liberdade econômica para ampliar seus negócios. Além disso, havia a cobrança de altas taxas e impostos exigidos pela corte portuguesa. Outro fator importante era a necessidade de liberdade política para traçar os rumos do futuro do País. O Brasil estava dividido, pois os portugueses que governavam, dominavam a economia e a política da nação. A imagem da Imaculada Conceição econtrada, primeiro o corpo, depois a cabeça, tornou-se uma unidade de corpo e cabeça, o prenúncio da soberania, da Independência do Brasil, que seria conquistada em 7 de setembro de 1822.
Assista homilia do Padre Paulo Ricardo sobre a liturgia da “Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida“:
Ouça homilia do Padre Paulo Ricardo na Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, sobre “Maria, medianeira de todas as graças“:
Hoje, dois séculos depois, a liberdade política e econômica continua a ser ameaçada pela mentalidade materialista, na qual o que importa é somente o lucro e o poder. Com isso, persiste a escravidão dos baixos salários, da exploração de crianças, do trabalho sem condições dignas, das prisões que lembram as antigas senzalas. Persiste ainda a escravidão das drogas, do alcoolismo, da prostituição, da violência, da venda de pessoas e de órgãos, como se fossem mercadorias. Tanto tempo se passou, mas ainda existem várias formas de escravidão e Nossa Senhora quer a libertação total dos seus filhos. Por isso, ela deixa-se encontrar nas águas profundas de nossas dificuldades, de nossos sofrimentos, de nossas necessidades. Como aqueles pobres pescadores, talvez nossos barcos sejam pequenos, nossas redes sejam frágeis e o tempo não seja favorável, mas devemos acreditar que Deus quer se manifestar em nossas vidas na simplicidade da devoção a Virgem Maria.
Em Aparecida, Deus dá-nos uma mensagem de restauração do que está quebrado, de união do que está dividido, de libertação da escravidão. “Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão destinados a desaparecer”3. A separação entre pais e filhos, entre irmãos, entre casais, entre amigos, entre pobres e ricos, entre jovens, adultos e idosos são reflexo do distanciamento de Deus. Nossa Senhora quer a união das famílias, dos amigos, dos casais, das classes sociais, das gerações, mas para isso precisamos levar o mistério de Deus para casa, como aqueles pescadores. Quem poderia imaginar que aquela pequena imagem de terracota, muito simples e frágil, que estava quebrada, poderia tornar-se a Padroeira do Brasil? Como aqueles homens simples, levemos o mistério de Deus escondido na imagem da Imaculada Conceição para nossos lares, mas principalmente para nossos corações. Pois, a verdadeira libertação começa em nosso interior. Nele é que existem muros de separação, que nos afastam das pessoas e principalmente de Deus. Ele quer derrubar estes muros para que possamos ser instrumentos de reconciliação e de paz. Entretanto, para que isso aconteça, o Senhor quer o nosso consentimento, a nossa abertura, ao mistério de Deus, que se faz pequeno e se manifesta na simplicidade de Maria. Nossa Senhora Aparecida, rogai por nós!
Referências:
2 Idem, ibidem.
3 Idem, ibidem.
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