terça-feira, 23 de setembro de 2014

A Bíblia e o culto a Maria



A inspiração bíblica no culto e na devoção a Virgem Maria.

O culto e a devoção a Santíssima Virgem Maria tem na Bíblia um ponto de referência necessário, pois a verdadeira piedade mariana não pode deixar de ter como centro seu Filho Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado. A necessidade de um cunho bíblico em toda e qualquer forma de culto faz parte da piedade cristã de todos os tempos, especialmente em nossos dias. “O progresso dos estudos bíblicos, a crescente difusão das Sagradas Escrituras e, sobretudo, o exemplo da tradição e a íntima moção do Espírito, orientam os cristãos do nosso tempo para servir-se cada dia mais da Bíblia, qual livro fundamental de oração e para tirar dela genuína inspiração e modelos insuperáveis”1. Por isso, o culto à bem-aventurada Virgem Maria não pode ser dispensado desta orientação geral da piedade cristã. Ao contrário, o culto mariano deve ele inspirar-se particularmente nesta orientação bíblica, para adquirir novo vigor e dela tirar seguro proveito.

A Bíblia apresenta-nos o desígnio de Deus em relação à salvação dos homens de modo admirável. A Palavra de Deus está impregnada do mistério de Jesus Cristo e também, do Gênesis ao Apocalipse, de referências a Virgem Maria, Mãe e cooperadora do Salvador. O cunho bíblico da devoção mariana exige o uso diligente de textos e símbolos sabiamente tirados das Sagradas Escrituras, mas também requer que as fórmulas de oração e os textos destinados ao canto assumam os termos e a inspiração da Bíblia. Exige principalmente que o culto à Virgem Santíssima seja inspirado nos grandes temas da mensagem cristã, a fim de que nós, ao mesmo tempo que veneramos aquela que é a Sede da Sabedoria, sejamos também iluminados pela luz da Palavra de Deus e levados a agir segundo as exigências do Verbo encarnado.

Em nosso tempo, marcado pelo crescente desenvolvimento das ciências, inclusive da teologia bíblica, somos chamados a valorizar o conhecimento da realidade à luz da Palavra de Deus e confrontar as realidades humanas com a figura da Virgem Maria, conforme o Evangelho. Desse modo, a leitura das Sagradas Escrituras – feita sob a ação do Espírito Santo, tendo presentes as recentes descobertas das ciências humanas e as várias situações do mundo atual – nos levará a descobrir que Nossa Senhora pode ser tomada como modelo naquilo que desejam ardentemente os homens e mulheres do nosso tempo.

A mulher de hoje, desejosa de participar no poder de decisão nas opções da comunidade, contemplará com íntima alegria a Virgem Santíssima, que dá o seu consentimento ativo e responsável2, não para a solução de um problema qualquer, mas sim na obra da salvação da humanidade, na Encarnação do Verbo3 e na maternidade espiritual sobre todos os redimidos por Cristo4. A mulher se dará conta de que a escolha da virgindade por parte de Maria, que no desígnio de Deus a dispunha para o mistério da Encarnação, não foi um fechamento aos valores do matrimônio, mas uma opção corajosa de consagrar-se totalmente ao amor de Deus. As mulheres do nosso tempo verificarão, com grata surpresa, que Maria de Nazaré, apesar de absolutamente abandonada à vontade do Senhor, longe de ser uma mulher passivamente submissa ou que vive uma religiosidade alienante, foi uma mulher que não duvidou de prevenir-se de que Deus é vingador dos humildes e dos oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo5. As mulheres reconhecerão em Maria, “a primeira entre os humildes e os pobres do Senhor”6, uma mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio7, situações que não podem escapar à atenção de quem quiser favorecer, com Espírito evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade. A Virgem Maria não foi uma mãe ciumenta, voltada somente para o próprio Filho, mas aquela Mulher que, com a sua ação, favoreceu a fé da comunidade apostólica, em Cristo8, e cuja função materna se dilatou, assumindo no Calvário dimensões universais9.

Ouça aula do Padre Paulo Ricardo sobre “As Sagradas Escrituras e a nossa vida espiritual”:



Nesses exemplos tirados da Bíblia transparece claramente que a figura da Virgem Santíssima não desilude as nossas aspirações mais profundas, mas até oferece-nos o modelo acabado do discípulo de Jesus Cristo: de trabalhador da cidade terrena e temporal e, ao mesmo tempo, de peregrino, que tem sabedoria e iniciativa, e que caminha em direção à cidade celeste e eterna; de promotor da justiça, que liberta o oprimido e da caridade, que socorre o necessitado; e de testemunha operosa do amor, que leva Jesus Cristo aos corações.

Assim, o genuíno culto a Santíssima Virgem Maria deve ser sólido em seu fundamento, que é a Revelação, ou seja, a Sagrada Tradição e a Palavra de Deus, e prestar particular atenção aos documentos do Magistério da Igreja, que é o único e o verdadeiro intérprete das Sagradas Escrituras. Os ensinamentos do Magistério nos levam à finalidade última do culto a Virgem Maria, que é glorificar Deus e levar-nos a uma vida absolutamente conforme a Sua vontade. Quando juntamos as nossas vozes à da mulher anônima do Evangelho, exaltamos a Mãe da Igreja ao exclamar, dirigindo-nos como ela a Jesus: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!”10, e somos induzidos a considerar a grave resposta do Mestre: “Felizes antes os que ouvem a Palavra de Deus e a observam!”11. Esta resposta, se por um lado resulta num evidente louvor a Santíssima Virgem, como interpretaram alguns Santos Padres12 e confirmou o Concílio Vaticano II13, por outro lado, ressoa para nós também como uma advertência para vivermos os mandamentos de Deus, como um eco de outras admoestações do Salvador: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’ entrará no Reino dos Céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus”14; e “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos ordenei”15. Nossa Senhora, Mãe do Verbo de Deus, rogai por nós!


Referências:
1 PAPA PAULO VI. Exortação Apostólica Marialis Cultus, 30.
2 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 56.
3 Cf. São Pedro Crisólogo, Sermo CXLIII: PL 52, 583.
4 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 61.
5 Cf. Lc 1, 51-53
6 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 55.
7 Cf. Mt 2, 13-23.
8 Cf. Jo 2, 1-12.
9 Cf. PAPA PAULO VI, Exortação Apostólica Signum Magnum, I: AAS 59 (1967), p. 467-468.
10 Lc 11, 27.
11 Lc 11, 28.
12 Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium, Tractatus X, 3: CCL 36, pp. 101.102; Epistula 243, Ad Laetum, n. 9. CSEL 57, p. 575-576; São Beda, In Lucae Evangelium expositio, N, xi, 28: CCL 120, p. 237; Homilia I, 4: CCL 122, p. 26-27.
13 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 58.
14 Mt 7, 21.
15 Jo 15, 14.

Fonte

Natalino Ueda é brasileiro, católico, missionário da Comunidade Canção Nova, formado em Filosofia e Teologia. Atualmente é produtor de conteúdo do portal cancaonova.com. Na consagração a Virgem Maria, segundo o Tratado de São Luís Maria, descobriu um caminho fácil, rápido, perfeito e seguro para chegar a Jesus Cristo. Desde então, ensina esta devoção, o caminho "a Jesus por Maria", que é o seu maior apostolado.

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