A devoção a Nossa Senhora tem como uma das expressões mais piedosas e profundas a veneração às suas dores.
A veneração e a devoção às dores de Nossa Senhora tem sua expressão litúrgica no tempo quaresmal e no dia 15 de Setembro. Entretanto, antes destas celebrações, o povo cristão já consagrava a terna lembrança e a veneração às dores da Mãe de Deus. A devoção a Nossa Senhora das Dores, que também é conhecida como Nossa Senhora da Piedade, remonta o século XIII e teve como os maiores propagadores os frades da Ordem dos Servos de Maria, mais conhecidos como Servitas, que foi fundada em 1240. A Virgem Maria, Mãe de Deus, que por amor a nós resignou-se diante do sacrifício de seu Filho Jesus Cristo, é digna de nossa piedade e de nossa gratidão. Pois, mais lhe custou sofrer estas dores do que suportar mil mortes. Se não podemos corresponder dignamente a tanto amor, demoremo-nos hoje, pelo menos por algum tempo, na consideração de tão cruéis dores que suportou a Virgem Maria. Tão atrozes foram as suas dores que, por excederem às dos mártires em duração e em intensidade, Nossa Senhora é também é lembrada como a Rainha dos Mártires.
A coroa com a qual a Mãe de Deus foi constituída Rainha dos Mártires foi justamente a sua dor, que excedeu à de todos os mártires juntos. À semelhança de seu Filho, a Virgem Maria sofreu o martírio durante toda a sua vida. São Alberto Magno ensina que um dos significados do nome de Maria é “amargura do mar”1. Por isso, ele aplica a ela o texto de Jeremias: “Grande como o mar é a minha dor”2. Como o mar, amargo e salgado, toda a vida de Maria foi cheia de amarguras. A espada de dor, prenunciada por Simeão, transpassou a alma da Virgem Maria todos os dias de sua vida3. Por isso, com razão, dizia ela como Davi: “A minha vida se consome na dor e os meus anos em gemidos”4; e dizia também: “A minha dor está sempre ante meus olhos”5. O tempo não aliviou seus sofrimentos, ao contrário, aumentava-lhe cada vez mais em seu coração de Mãe a dor de perder seu Filho. “Como crescem os espinhos à medida que a rosa desabrocha, cresceram também em Maria – Rosa Mística – os penetrantes espinhos das aflições”6 pela Paixão de seu Filho.
A Virgem Maria é Rainha dos Mártires, pois, entre todos os martírios o seu foi o mais longo e também o mais doloroso. Por isso, atribui-se a Mãe do Senhor este trecho das Sagradas Escrituras: “Porque é grande como o mar o teu desfalecimento. Quem te remediou?”7. A respeito destas palavras do profeta Jeremias, ensina Hugo de São Vitor: “Ó Virgem bendita, como a amargura do mar excede todas as amarguras, assim tua dor excede todas as outras dores. […] A dor de Maria era suficiente para causar-lhe a morte a cada instante, se Deus não lhe tivesse conservado a vida por um singular milagre”8. A intensidade do sofrimento da Mãe da Igreja foi tão destruidora que, dividida por todos os homens, bastaria para fazer morrer todos, subitamente. O martírio de Maria foi mais doloroso que o de todos os mártires, pois estes sofreram o martírio no corpo, enquanto ela padeceu o martírio em sua alma. Por isso, dela profetizou Simeão: “E uma espada transpassará até a tua alma”9. No Calvário, enquanto o Filho sacrificava seu corpo pela morte, sua Mãe sacrificava sua alma pela compaixão.
Os mártires sofreram sacrificando suas próprias vidas, enquanto Maria sofreu sacrificando a vida do Filho, à qual amava mais do que a própria vida. A Virgem das dores padeceu em seu coração todos os suplícios que sofreu em seu corpo o amado Filho Jesus. “As mesmas chagas que estavam espalhadas pelo corpo de Jesus, se achavam todas reunidas no coração de Maria”10. Além disso, diferente dos mártires, que sofreram consolados pelo Senhor, Nossa Senhora sofreu dores indizíveis na alma, sem alívio algum, na Paixão de seu Filho. Por isso, com razão podemos atribuir a Maria as palavras de Jeremias: “Ó vós todos que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à minha dor”11.
Assim, Maria, a Rainha dos Mártires, tão compassiva e benigna, preferiu sofrer todas as dores a ver-nos privados da redenção e entregues à antiga miséria. São Alberto Magno dizia que “somos obrigados a Jesus pela Paixão que sofreu por nosso amor, mas o somos também a Maria pelo martírio que, na morte do Filho, quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação”12. Pois, o sofrimento de Nossa Senhora pela morte do Jesus excedeu os de todos os mártires juntos. O único consolo da Virgem dolorosa em meio às indizíveis dores pela Paixão do Filho era pensar no mundo resgatado e ver reconciliados com Deus os homens que outrora estavam em inimizade com Ele. Este grande sofrimento da Virgem Maria por amor de nós merece a nossa gratidão e o nosso amor. A memória destes padecimentos, a meditação de suas dores, é agradável a Virgem Maria e ao seu Filho. O próprio Jesus revelou a Santa Verônica de Binasco que a Ele mais agrada a meditação dos sofrimentos de Maria, do que a contemplação das suas dores: “caras me são as lágrimas derramadas sobre minha Paixão; mas, como amo imensamente a minha Mãe, ainda me é mais cara a meditação das dores que ela padeceu, vendo-me morrer”13. Por tudo isso, em gratidão a Jesus e a Maria, veneremos as dores de Nossa Senhora. Pois, além de agradar a Mãe e o Filho, a devoção às dores da Virgem Maria é útil para alcançar-nos a salvação eterna em Jesus Cristo. Nossa Senhora das Dores, rogai por nós!
Referências:
1 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Glórias de Maria. 3ª ed. Aparecida: Santuário, 1989, p. 358.
2 Jr 2, 13.
3 Cf. Lc 2, 35.
4 Sl 30, 11.
5 Sl 37, 18.
6 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Op. cit., p. 360.
7 Lm 2, 13.
8 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Op. cit., p. 360.
9 Lc 2, 35.
10 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Op. cit., p. 361.
11 Lm 1, 12.
12 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Op. cit., p. 367.
13 Idem, p. 368.
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